Ambiente e Turismo: Uma Relação Tensa
“O processo de urbanização crescente, o sistema industrial e pós-industrial da sociedade contemporânea implicou no aparecimento e no desenvolvimento do lazer como necessidade a ser satisfeita. No momento atual com a globalização, essa busca desenfreada pelo preenchimento do tempo livre com o lazer é mais visível”.
Turismo como lazer
O lazer, como necessidade numa sociedade que precisa estar em equilíbrio e gerar novas fontes econômicas ganha um ritmo acelerado. O turismo é uma das formas de lazer, procurando organizar e planejar o tempo livre da sociedade atual. O turismo passa a exigir novos modelos de espaços que correspondem aos novos tipos de relações no nível humano, além de contribuir para a circulação de capital, melhoria econômica de uma região e o consumo dos lugares e do meio ambiente.
O turismo na definição de Maria Ângela Bissoli “é entendido como o conjunto de recursos capazes de satisfazer as aspirações mais diversas, que incitam o indivíduo a deslocar-se do seu universo cotidiano, e assim caracteriza-se por ser uma atividade essencialmente ligada à utilização do tempo livre”.
Lazer, descanso e tempo livre
A atividade turística surge como resposta a uma necessidade de descompressão, resultante da própria dinâmica do sistema da sociedade industrial. O processo de urbanização ao mesmo tempo que cria a necessidade do lazer, não consegue atender à população. A necessidade da atividade turística aumenta com as sociedades pós-industriais ou pós-modernas.
Para o turismólogo Luís Gonzaga Godoi Trigo “nas sociedade pós-industriais o turismo insere-se em um contexto maior do lazer e entretenimento, que igualmente tem consumido bilhões de dólares em investimentos e outros bilhões de dólares de lucro”.
A ampliação do tempo livre de que passaram a dispor as pessoas é uma das causas do crescente desenvolvimento do turismo. O tempo livre tende a aumentar com o passar dos anos, isso significa que as atividades ligadas à utilização desse tempo livre aumentam substancialmente. Dentre tais atividades destaca-se o turismo.
Turistas em visita a torre de Pisa / Itália
O presente trabalho, tenta retomar a discussão da “produção” e do “consumo” do turismo, porém em tempos de globalização. Procura também ressaltar a importância do estudo dos processos mentais relativos à percepção ambiental, como sendo fundamental para compreendermos melhor as inter-relações entre homem e meio ambiente, seja ele natural ou construído. Essas inter-relações são visíveis no ambiente, gerando conseqüências que afetarão a atividade do Turismo.
Segundo Del Rio e Oliveira, notamos que as manifestações mais constantes de insatisfação da população revelam-se, por meio de condutas agressivas em relação a elementos físicos e/ou arquitetônicos, principalmente os reconhecidos como públicos ou localizados junto a lugares públicos. Outra conduta é o desconforto psicológico de cada indivíduo.
Patrimônio público vandalizado
Essas condutas, são resultados expressos das percepções, dos processos cognitivos, julgamentos e expectativas de cada indivíduo frente ao lugar e ao meio ambiente. Devemos lidar com o conceito de percepção no sentido mais amplo possível, a exemplo do que vem sendo adotado pela maioria dos pesquisadores ambientais.
A psicologia situaria nossas preocupações dentro do escopo da cognição. Mas o que vem a ser a cognição? Para Del Rio e Oliveira a cognição é o processo mental mediante o qual, a partir do interesse e da necessidade, estruturamos e organizamos nossa interface com a realidade e o mundo, selecionando as informações percebidas, armazenado-as e conferindo-lhes significado.
Seguindo este enfoque é que pretendemos trabalhar com a cognição no turismo, tendo como meta não apenas a percepção do meio ambiente para e pelo turismo, e sim a cognição do turismo frente ao ambiente, sendo este processo muito importante para as atividades do turismo.
Estereotipo do turista
A relação do meio ambiente frente as modernas cidades e as cidades turísticas, demostram uma relação de conflitos espaciais. Essa relação extravasa a simples percepção e adentra no sistema cognitivo do turismo frente ao ambiente. As idéias de “produção” e “consumo” desencadeiam conflitos no espaço utilizado e apropriado pela atividade turística.
Milton Santos nos fala de um ambiente construído, repleto de técnica, ciência e informação. E na medida que aumenta o aparecimento desses elementos no espaço urbano, a cidade torna-se cada vez mais um meio técnico-científico-informacional. Nas palavras do autor: “o meio ambiente produzido se diferencia pela carga maior ou menor de ciência, tecnologia e informação, segundo regiões e lugares: o artifício tende a se sobrepor e substituir a natureza”.
Parques temáticos: exemplos dessa transformação do espaço
A velocidade do processo de urbanização transforma o espaço continuamente, numa relação dialética pouco entendida ainda hoje. Nessa discussão a palavra chave é a velocidade: velocidade da circulação, da informação, das pessoas, dos objetos... enfim de tudo que compõe o ambiente e em especial o ambiente urbano.
Quando a atividade turística adentra o urbano, ela reafirma a velocidade e o ambiente deixa de ser amigo e passa a ser hostil. Dessa hostilidade frente ao ambiente é que temos grande parte da nossa atividade turística sendo implantada e desenvolvida. Mas como podemos melhorar essa relação interna do ambiente construído pela atividade turística? O planejamento ainda é um bom caminho? Acreditando nessa alternativa é que tecemos a seguir algumas questões pertinentes ao planejamento do ambiente turístico.
Ambiente Turístico e o Uso das Escalas no Planejamento
Uma questão importante e quem sabe a mais preponderante para o planejamento do ambiente turístico é relacionada ao entendimento da noção de escala, sendo necessária a análise segundo aquilo que compete a cada instância.
O planejamento é fundamental para uma atividade sustentavel
O entendimento das diferentes escalas nos possibilitará um melhor (re)dimensionamento de nossas atividade de planejamento voltado para intervenções no campo do turismo.
A análise escalar geral deve se ocupar daquilo que homogeneiza os países, a economia, estabelecendo uma relação de dependência entre os mesmos. Essa escala muitas vezes é regulada e influenciada pelas resoluções da Organização Mundial do Turismo (OMT).
A escala nacional preocupar-se-á das novas conjunturas apresentadas pela economia interna do país e sua repercussão para a sociedade e para o espaço. Nessa escala de planejamento, vemos o papel crucial da Embratur (Empresa Brasileira de Desenvolvimento do Turismo), responsável por grande parte de nossa política nacional de turismo. Os profissionais na área de turismo devem acompanhar e também propor idéias dessa escala de planejamento.
As escalas regional e local, estão mais voltadas a encontrar contradições internas a um territórioou lugar, provenientes do nível de desenvolvimento econômico de cada região e interesses direcionados. É justamente nessas escalas onde o papel do planejador turístico é fundamental.
Nesse momento o planejamento é um instrumento inigualável para efetivar políticas e economias direcionadas ao turismo para o desenvolvimento regional e local.
Para melhor compreensão utilizaremos o Estado do Ceará como exemplo de “polo de desenvolvimento turístico do nordeste”, característico dessa fase histórica. No Estado com as políticas direcionadas ao turismo do Prodetur-NE (Programa de Ação para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste), construiu-se uma organização que visasse a maximização dos lucros para a atividade turística: novo aeroporto internacional, rodovias, rede hoteleira, incremento do comércio, entre outros. Essa organização, montada, que tem possibilitado a especialização de suas atividades relacionadas ao turismo atendendo os interesses dos capitais mundiais e mais ainda o sonho de consumo da “população mundializada”, carente de preencher seus tempos livres. O Prodetur-NE é ricamente analisado nos trabalhos de Luzia Neide M. T. Coriolano e Ireleno Porto Benevides.
Essa nova lógica do desenvolvimento e planejamento do ambiente turístico também impõe uma nova forma de entendimento das diferenciações regionais, em que a partir disso a regiãotorna-se novamente objeto de estudo das desigualdades sociais, provocadas por essa diferenciação de desenvolvimento tecnológico.
Considerações Finais
Vemos a queda das fronteiras nacionais causando a homogeneização dos lugares, a vitória da velocidade do tempo abarcando o espaço, o papel crescente do Estado no (re)equilíbrio nacional visto as desigualdades geradas no seio nacional, o papel dos turismólogos e demais profissionais que estão lidando com a atividade turística, deveria centrar suas preocupações no planejamento tanto no nível local, como regional e nacional.
Tensão entre as pessoas em um mundo comum
O homem em pleno processo de globalização não mais se reconhece em seu lugar, Será que essa globalização ou melhor mundialização, que também é dos costumes, das culturas, da língua, do lugar, da natureza, não nos tira a noção do local, imprimindo uma global? Caso isso ocorra como fica o turismo que necessita do local para efetivar sua atividade?
As novas técnicas utilizadas para transpor barreiras físicas e sociais aniquila essa identidade com o lugar, “agora que todas as condições de vida, profundamente enraizadas, estão sendo destruídas, aumenta exponencialmente a tensão entre cultura objetiva e subjetiva e, do mesmo modo, se multiplicam os equívocos de nossa percepção, de nossa definição e de nossa relação com o Meio”.
O processo de globalização exige uma velocidade de transformação dos lugares que afeta diretamente o ambiente. O turismo muitas vezes afirma o processo de globalização dos lugares sem refletir essa ação e esquece que necessita da singularidade do ambiente para efetivar plena-mente suas atividades.
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Um abraço e até o próximo post!
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