Maria Clara Silva Machado & Luciana Bittencourt Villela
O Turismo como um fenômeno moderno e capitalista, estruturou-se a partir de um modelo de desenvolvimento excludente e promotor de desigualdades sócio-espaciais.
A atividade turística tem reproduzido ao longo dos anos as contradições do sistema econômico vigente, aguçando a lógica do capital, quando se apropria dos espaços e recursos naturais e culturais neles contidos, transformando-os em atrativos, ou seja, em produto (OURIQUES, 2005, p. 93).
Neste contexto, podemos afirmar que o espaço é entendido como produto e não como reflexo da ação da sociedade. Cabe aos planejadores e gestores do Turismo a proposição de políticas públicas substanciadas na mobilização e participação social e que se aproximem de um modelo mais equânime de desenvolvimento (CORIOLANO, 2003, p. 30).
Para uma melhor compreensão do Turismo, não apenas como um instrumento de geração de emprego e renda, mas, principalmente como uns elementos de integração dos indivíduos à vida social, devem considerar o espaço e o conjunto de práticas socioculturais como elementos de um processo sensível e importante desse desenvolvimento.
Considerando que a atividade turística é capaz de provocar profundas transformações na forma de apropriação e uso do espaço pelos grupos sociais, quando redefine as singularidades e reorienta os usos desse espaço, torna-se necessário a adoção de modelos que considerem as características endógenas como principal subsídio para a implementação de estratégias e ações (CORIOLANO, 2005).
Contudo, esta perspectiva apresenta-se bastante complexa, uma vez que, percebemos uma grande dificuldade na implantação de um modelo de desenvolvimento turístico alternativo* que tenha como alicerce os princípios de sustentabilidade (BURSZTYN, 2004). Esta dificuldade se revela com maior intensidade em regiões marcadas pela elevada fragilidade do poder político local, desigualdade social e baixo grau de organização social.
É possível retratar este fato no trecho apresentado por Luchiari sobre a implantação do megaprojeto do Complexo Turístico Sauípe, no litoral norte do estado da Bahia. Segundo a autora,
o que vem ocorrendo nas comunidades litorâneas de um modo geral é a sobreposição da ocupação turística em detrimento da ocupação tradicional, a qual vai mais além, na medida em que toma “territórios” que possuíam um valor intrínseco como reservas extrativistas, usos complementares da atividade doméstica ou mesmo como “cenário” significativo culturalmente, na sua maioria, sem oferecer alternativas para a população local (LUCHIARI apud FONTES E LAGE, 2003).
Afirma, ainda, que a implantação de um projeto como este não pode ser justificada somente pela oferta de empregos, que não raramente caracterizam-se como subempregos, e sim por outros fatores que se constituem como indicadores de melhoria da qualidade de vida da comunidade. Porém, a inserção do Turismo com base neste modelo gera, via de regra, grandes transformações sócio-espaciais. Daí a necessidade de se propor um modelo mais harmônico e inclusivo.
Irving (1998) afirma que “o desenvolvimento da atividade turística qualificada de ‘sustentável’ exige a incorporação de princípios e valores éticos, uma nova forma de pensar a democratização de oportunidades e benefícios [...]” (p. 32).
Esta proposta do desenvolvimento turístico proporciona aos diferentes segmentos da sociedade, que sejam incluídos no processo de planejamento, operação e monitoramento, expressando suas idéias e receios, identificando seus interesses, suas necessidades e as formas com que esperam se beneficiar (NELSON, 2004, p.191). Com isso, devemos buscar a harmonia entre eqüidade social, eficiência econômica e conservação ambiental.
Um exemplo que se projeta neste sentido é o do Projeto Integrado Conservação e Desenvolvimento de Mamirauá, no estado do Amazonas, o qual apresenta experiências recentes e inovadoras no que tange a inclusão das demandas sociais no manejo de Unidades de Conservação, através de práticas turísticas sustentáveis.
Outros exemplos referem-se às Reservas Extrativistas de Curralinho e Pedras Negras, situadas em Rondônia, que desenvolvem as ações de turismo considerando indicadores de sustentabilidade, como o primeiro empreendimento comunitário de Ecoturismo em Reservas Extrativistas na Amazônia financiado pelas instituições WWF (Fundo Mundial da Vida Selvagem) no Brasil, Ministério do Meio Ambiente, Governo do Estado de Rondônia e Universidade de Rondônia (BADIALLI, 2004, p. 90).
Considerando os dois modelos de desenvolvimento apresentados, podemos afirmar que os grandes projetos turísticos refletem um modelo desigual e excludente, e que de certa forma tem sido reforçado pelo Estado, orientados pelo interesse de grandes empresas internacionais. Em face disto, as iniciativas que propõem um desenvolvimento comunitário têm sido, em geral, representada pela soma de esforços de associações comunitárias, ONGs e Universidades que compreendem o Turismo como um fenômeno social e não apenas como transações de cunho econômico.
De acordo com MARCON & BARRETO (2004),
o Turismo contribuirá para a inclusão social quando todas as pessoas possuírem condições dignas de vida no seu cotidiano, em seus locais de origem. Para isso é extremamente importante a parceria entre os empresários do setor e o poder público, que deve estar preocupado com a melhoria da qualidade de vida e com o bem-estar social de sua comunidade.
Ao conjunto de decisões inter-relacionadas, definido por atores políticos, que tem como finalidade o ordenamento, a regulação e o controle do bem público caracteriza o que conhecemos como “políticas públicas” (LITTLE, 2003, p. 18).
Por meio da interação dessas políticas com as exercidas por cada setor da sociedade - público, privado e terceiro setor - tornar-se-á possível vislumbrar a inclusão social associada às práticas exercidas pelo Turismo com base local. Assim, haverá a possibilidade de se trabalhar o Turismo não como um produto acabado, fruto do capitalismo, mas como um fenômeno em contínua mudança e que permite à sociedade se reorganizar de forma a assegurar àqueles até então excluídos da dinâmica capitalista, a uma real possibilidade de inclusão social.
Notas
* O termo alternativo refere-se a uma forma de desenvolvimento oposta ao modelo tradicional de Massa.
Referências Bibliográficas
BADIALLI, J. E. L. Unidades de conservação e o turismo sustentável no Brasil. In: NELSON, S. P.; PEREIRA, E. M. Ecoturismo – práticas para turismo sustentável. Manaus: Valer, 2004.
BURSZTYN, I. et al. Programa de promoção do turismo inclusivo na Ilha Grande, RJ. In: Encontro nacional do turismo com base local. 2004, Paraná: Curitiba.
CORIOLANO, L. N. M. A exclusão e a inclusão social e o turismo. Revista de Turismo y Patrimônio Cultural. v. 3, n. 2, 2005.
CORIOLANO, L. N. M.; LIMA, L. C. Turismo comunitário e responsabilidades socioambiental. 1 ed. Ceará: EDUECE, 2003.
FONTES, E. O. & LAGE, C. S. Apropriação do espaço pelo Turismo em Sauípe e seu impacto no desenvolvimento local. In: CORIOLANO, L. N. M. T. et al. Turismo comunitário e responsabilidade sócio-ambiental. Ceará: EDUECE, 2003. IRVING, M. A. Turismo e ética: premissa de um novo paradigma. In: CORIOLANO, L. N. M.
Turismo com ética. 2 ed. Ceará: FUNECE, 1998.
LITTLE, P. E. Políticas ambientais no Brasil. 1 ed. São Paulo: IIEB, 2003.
MARCON, E. M. G.; BARRETTO, M. O turismo como fator de inclusão social via desenvolvimento local. In: Encontro nacional do turismo com base local. 2004, Paraná: Curitiba.
NELSON, S. P.; PEREIRA, E. M. Ecoturismo – práticas para turismo sustentável. Manaus: Valer, 2004.
OURIQUES, H. R. A produção do turismo – fetichismo e dependência. In: OURIQUES, H. R. O turismo na periferia do capitalismo. São Paulo: Alínea, 2005.
Um abraço e até o próximo post!
Matéria excelente! Eu enxergo a problemática dessa forma também. O Post serviu para eu conseguir organizar meus pensamentos e também para poder colaborar de forma mais sensata com o turismo de Analândia onde mantenho uma pousada. Valeu!
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