GASTRONOMIA E O TURISMO

As Interfaces da Gastronomia

A gastronomia se inter-relaciona com diversas outras áreas do conhecimento. Ao avaliarmos bem, sua atividade é permeada por vários conceitos presentes na medicina, física, química, antropologia, geografia e botânica. Alguns aficionados chegam a transformar a alimentação em um estilo de vida (macrobióticos e vegetarianos, por exemplo).
 

Numa análise mais detalhada, observa-se que as cozinhas étnicas falam muito mais do caráter de um povo do que a primeira vista pode parecer. Senão, como entender certos tabus alimentares sem conhecer a religião ou a história de um povo? Todos sabemos que o povo indiano não consome carne bovina; como compreender essa característica se não nos debruçarmos nas crenças e na história da Índia? Alguns encaram com estranheza o consumo de determinados alimentos na china, tão exóticos aos nossos preceitos que nos causam espanto – parte do entendimento dessa realidade forçosamente nos leva a constatação sobre geografia, história e relação com o meio, uma vez que estamos nos referindo à cultura ocidental, enquanto a cultura chinesa tem seis mil anos de história contínua.

Do profissional de cozinha se espera hoje, portanto, que assimile conhecimentos básicos de física e química, que atuam tão presentemente durante o preparo das refeições. Da mesma forma, como podemos agir com segurança na atividade produtiva de elaboração dos alimentos sem noções das leis da física relativas à transmissão de calor? Ou ainda sobre os efeitos do frio sobre certas estruturas dos alimentos? Evidentemente que, para fazer uso destas técnicas, o simples conhecimento empírico já basta, mas para o profissional em posto de comando não se espera somente que realize, mas que saiba o porquê das coisas.


No aspecto nutricional, se o profissional identifica as vitaminas, teores de açúcar, gordura, proteínas nos diversos ingredientes manipulados, sua margem de erro na elaboração de um cardápio diminui. Da mesma forma, se na composição de um cardápio de dietas identifica os elementos anteriormente citados, seu relacionamento com o profissional de nutrição será mais proveitosos, onde ambos contribuirão para um resultado mais prazeroso e saudável, satisfazendo não só as necessidades nutricionais como também os sentidos.

A gastronomia interage ainda com outras grandes áreas do conhecimento:

  • Medicina – através dos conhecimentos sobre toxinas, higienização e complemento a tratamentos convencionais (dietas, uso ou restrição a certos alimentos);
  • Sociologia – usos, costumes, tabus e outras práticas alimentares;
  • Administração – pela viabilidade técnicas, suportes de gestão e de controles;
  • Marketing – através da segmentação e captação de público.

Uma vez que o homem foi vaticinado a ganhar o pão com o suor do seu rosto (“Gênesis”, Bíblia), poderíamos afirmar que todas as atividades humanas estão alicerçadas em três necessidades fundamentais: alimentação, segurança e sobrevivência.

Lazer e Gastronomia

Uma das premissas da sociedade pós-industrial é o aumento das horas de ócio advindas da redução das horas de trabalho. Esse ócio pode ser direcionado para mais horas disponíveis com o lazer, e aí se inclui o lazer gastronômico.

Encontrado em hotéis ou restaurantes com reconhecida competência gastronômica, em cidades com tradição de boa alimentação, tours gastronômicos podem estar associados a degustações de vinhos ou outras bebidas, relacionando a gastronomia e a enologia. No desenvolvimento da leitura e aquisição de obras ou publicações, visitas a mercados e feiras e, finalmente, na criação de confrarias e associações gastronômicas, em que profissionais de ocupações diversas buscam até mesmo uma válvula de escape para o estresse.


O mercado editorial brasileiro tem lançado uma série de livros, traduções ou de autores brasileiros, todos na área da gastronomia. Essa tendência, pelo que sabemos, é um fenômeno mundial. A boa nova para nós, que somos comprometidos com os valores da cozinha brasileira, são os livros que resgatam receitas, histórias e das diversas cozinhas regionais. Pode parecer que tal movimentação veio no bojo da expectativa das comemorações dos 500 anos da descoberta do Brasil, porém tal perspectiva já não se sustenta. Ao que tudo indica, essa tendência resulta da descoberta e valorização de nossas raízes históricas, quase um despertar de nossa cidadania nas mesas e paladares, depois da banalização de produtos antes cercados de glamour e difíceis de obter.

Explicando melhor, após as limitações com que convivemos em decorrência de uma política cerceadora de importações de produtos alimentícios – o que implicava em altas nos preços. Vivenciamos no início dos anos 1990 a abertura do país às importações. Num primeiro momento houve um boom no consumo com uma posterior retração, quando da desvalorização cambial que alterou o quadro econômico gerado após o Plano Real. Nessa ocasião, o brasileiro já havia tido a oportunidade de experimentar e comparar e emitir sua opinião, saindo do campo das novidades para o refinamento dos sabores já conhecidos. Deixo uma pergunta que logo poderá se tornar uma confirmação: não estamos amadurecendo enquanto nação, no início do século XXI?

A Gastronomia Inserida no Contexto do Turismo

O turismo, essa famosa indústria sem chaminés, foi de repente apontado como o redentor de todos os males econômicos, como se a simples recepção de turistas e a construção de hotéis de luxo e resorts paradisíacos fossem por si só a garantia de lucros imediatos. Inegavelmente, o turismo é uma das áreas mais promissoras economicamente, em virtude da maior elasticidade das horas de lazer. A sociedade pós-moderna exige novidade e busca sempre novos produtos. No entanto, o chamado turismo, quando não sustentável, fenômeno tão estudado e criticado, é um caminho de duas vias, tanto podendo ser elemento de integração entre o turista e o autóctone, como também se revelando um agente predatório de valores culturais, morais e religiosos, e por consequência gastronômicos. No afã de agradar ao turista, adaptam-se receitas, mudam-se condimentos, até mesmo os mais tradicionais pratos de algumas culinárias, ou ainda mudando os hábitos alimentares de uma região. A dualidade decorre do comportamento do turista, que pode ser um curioso consciente, ávido de conhecer e provar a culinária local, ou do turista arraigado às suas tradições – quer por receio de tentar o novo, quer por limitações culturais ou preconceitos – resiste ao exótico ou desconhecido, insistindo em manter o seu modus vivendi alimentício. Obviamente que limitações decorrentes de dietas ou restrições religiosas não podem ser levadas em consideração.


O turismo de massa, fenômeno recente, se por um lado populariza um determinado destino turístico, por outro, dadas as peculiaridades desse turista que não possui quase nenhum referencial-base para estabelecer conceitos com o propósito de tipificar uma culinária local, por suas implicações econômicas esse mesmo turismo de massa privilegia um turista de baixa renda, que, com estímulo de uma propaganda bem formada, pode ser cativado a se inserir no consumo das produções culinárias, se o preço cobrado pelas mesmas for competitivo.

Analisando-se a realidade da gastronomia no Brasil e sua importância para o turismo, observamos que algumas gastronomias chegam a transcender sua origem geográfica, tornando-se quase emblemáticas peças de propaganda de seus estados. Podemos citar dois grandes exemplos: a cozinha baiana e a mineira. Ambas extremamente ciosas de sua história, praticamente popularizadas em todo o território nacional. Atuam como veículo complementar da propaganda turística, criando no imaginário popular a associação entre os destinos turísticos e a boa mesa. São verdadeiras embaixadoras dos valores de sua gente.

Surgiram em São Paulo restaurantes que oferecem a culinária do Pará, do Amazonas, do Espírito Santo, do Ceará e de outros estados, o que enriquece ainda mais o seu panorama gastronômico, ajudando a firmar sua fama de cidade globalizada e cosmopolita no panorama da alimentação, incluindo entre seus atrativos o roteiro gastronômico já praticado. É claro que o movimento que pleiteia tal cognominação pretende incluir São Paulo entre outras capitais já consagradas como, por exemplo, Nova York e Paris.

Fenômenos interessantes que estão se tornando maiores a cada ano são festas populares no Nordeste, no período junino. Sua motivação está intimamente ligada à gastronomia. Nessas ocasiões o consumo de produções culinárias locais atinge o seu ápice; como pensar nessas festas sem se lembrar das guloseimas típicas?

Globalização versus Preservação do Diferente

No mundo globalizado em que vivemos, o grande desafio da gastronomia é estar aberta ao novo, sintonizar-se, absorvendo novas tendências e ajustando-se ao conceito de “padronização” sem perder sua autenticidade, seu caráter de regionalidade, expressão maior da evolução e experiências acumuladas através da alimentação, ajustadas à geografia, valores e culturas.

Sabemos que um dos axiomas da globalização é justamente o respeito ao que é diferente. O difícil é conciliarmos as exigências e pressões para adoção de novos modelos ao mesmo tempo separando o que é fusion do que é descaracterização. Não prego aqui a estagnação ou apego exagerado ao estabelecido, mas uma reflexão sobre como continuar a evolução – pois a gastronomia é dinâmica e sempre em estado de transformação – sem sacrificar as origens.


Na implantação de complexos turísticos cabe a pergunta: este projeto prega a integração entre culturas através da convivência dos seus elementos ou é apenas uma forma de ganho que vem destruir ou negar os valores e sabores da região?

Antes de nos acomodarmos à ideia de que o turista não tem interesse em conhecer nossos sabores, precisamos nos questionar se caso não está faltando divulgação e apresentação nos locais. Isso só ocorre quando há investimento – público e pessoal – no aprimoramento e no compromisso com a qualificação do profissional e do produto (e serviço) que se pretende vender.

Um abraço e até o próximo post!
GASTRONOMIA E O TURISMO GASTRONOMIA E O TURISMO Reviewed by Luiz Macedo on janeiro 25, 2018 Rating: 5

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